terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Bullying | vítimas, agressores, escola e pais

No âmbito de um trabalho de Pós-Graduação, o meu amigo C. pediu-me ajuda para o seu trabalho sobre Bullying. Deixo-vos aqui um excerto da entrevista.


O que considera ser o Bullying?
A palavra Bullying surge no contexto educativo português nas últimas décadas para definir o assédio entre pares. É um fenómeno extremamente complexo, com várias abordagens compreensivas e várias perspectivas obrigatórias a ter em conta na prevenção e intervenção.
O bullying envolve, pelo menos, dois intervenientes – o bullie e a vítima - e poderá expressar-se de várias formas – ataques físicos e verbais, comentários depreciativos sobre a vítima ou dos seus familiares e amigos, a humilhação e discriminação, etc. Independentemente do modo como o bullie decide agir, é certo que o objectivo será sempre o mesmo: o domínio do(s) par(es) com recurso a alguma forma de coacção.

É um problema novo?

Não considero o bullying como um fenómeno recente. No entanto, com a visibilidade das agressões entre crianças e adolescentes nos últimos anos, foi necessário qualificar este comportamento desviante.
O termo bullying sim considero-o relativamente recente, mas não o seu significado.

É uma preocupação actual? Porquê?
Como referido anteriormente, o bullying é um fenómeno extremamente complexo e com diversas intricações. Como tal, para responder a esta questão é também necessário analisar vários contextos, designadamente em três grandes áreas: familiar, escolar e política.
Relativamente à perspectiva da família, se não é uma preocupação de todas as famílias, deveria sê-lo. Nos últimos anos tem-se assistido a uma gradual desresponsabilização das famílias em matérias da educação cívica dos menores, delegando este dever parental às escolas e ao Estado. É grave, é negligência, é errado. Todo o sistema familiar deve estar envolvido na educação dos seus filhos, apostando numa lógica de prevenção, mas também de intervenção e punição, quando necessário.
As escolas têm também o dever de apostar na prevenção destes comportamentos desviantes. As vítimas deverão ter todo o apoio das comunidades escolares para recuperar dos eventuais traumas causados pela situação de vitimação. Mas principalmente, as escolas precisam de investir o seu tempo nos próprios bullies e recorrendo a um trabalho multidisciplinar (professores, psicólogos educacionais e clínicos, auxiliares educativos, etc.) prestar um apoio a estes jovens. Compreender os motivos que levam uma criança ou adolescente a cometer tais actos para depois apoia-los, pode revelar ser um passo fundamental na prevenção de futuros comportamentos desviantes.
Por fim, creio que o Estado tem um papel fundamental nesta matéria. O Estado português deve apoiar incondicionalmente os seus docentes e todos os profissionais ligados ao sistema educativo. Os financiamentos de projectos escolares, a formação dos profissionais educativos e o desenvolvimento e aplicação de leis assertivas para a supressão deste fenómeno, deveriam ser uma forte preocupação do Estado (i.e., de todos nós).

Em que medida é que os professores podem ajudar? Que práticas anti-bullying podem ser adoptadas na escola?
Creio ser bastante fácil apontar as fragilidades dos profissionais e orientá-los para os melhores caminhos. No entanto, é necessário perceber que os professores também são pessoas que, como todos nós, têm as suas limitações. Bem sabemos que os últimos anos não têm sido fáceis para estes profissionais e muitos deles arrastam-se diariamente numa carreira profissional sem objectivos. A desmotivação e revolta instalou-se na classe e isso tem graves repercussões na própria qualidade da docência.
Ainda assim, os professores podem e devem ajudar as vítimas e, diria mesmo, principalmente os próprios bullies. Sentar e ter uma conversa franca com estes jovens pode ser um passo importante. Mais importante é – e isto é algo que tenho trabalhado muito nos últimos tempos em contexto de clínica privada – que o jovem sinta que alguém lhe estendeu uma mão mesmo num momento em que ele próprio sabe que errou. Se calhar, se o professor se sentar com este aluno e lhe fizer a pergunta “porquê?” com o objectivo de compreendê-lo e não de o recriminar, provavelmente, terá a mesma resposta que tive há cerca de 1 ano quando um paciente de 15 anos que, com os olhos cheios de lágrimas, me respondeu “porque ao menos quando bato neles os meus pais sabem que afinal eu também existo…”.
No que concerne às medidas anti-bullying poderão existir tantas quantas a nossa imaginação e criatividade o permitir. Todas elas poderiam ter por base um envolvimento comunitário escolar, ou seja, a integração dos ditos bullies ao invés da sua exclusão por serem malcomportados.

Quais as emoções despoletadas nas vitimas de Bullying? Como podemos enriquecer o lado emocional da criança para aumentar a sua autonomia?
A forma como cada um vive um episódio de bullying difere de pessoa para pessoa. No entanto, existem sintomas comuns:
•    Consequências práticas – resistência para ir para a escola, desmotivação para estudar, isolamento social;
•    Consequências psicossomáticas – problemas gastrointestinais, perturbações no sono, enurese, dores de cabeça;
Ao perceber que a criança ou adolescente é vítima de bullying imediatamente terá de ser trabalhada a auto-estima e o auto-conceito da vítima. O reforço positivo é chave e obrigatório.

O que leva o agressor a desenvolver este tipo de comportamentos? Quais são os seus sentimentos? São possíveis de ser trabalhados? De que forma?
Esta é uma das questões mais complexas do bullying. Desde problemas e conflitos no sistema familiar, à identificação social e de pares, os motivos que levam uma criança ou adolescente a querer – e sentir prazer – em agredir/humilhar outra são imensos e deverão ser abordados de uma forma única e individual. Aqui, a intervenção de um psicólogo é fundamental para o bem-estar do bullie. Ele(a) também sofre, só não tem tantas “mãos” para o ajudar.


Quando têm conhecimento, que os seus filhos são vítimas ou agressores de Bullying, qual o procedimento que os pais devem tomar?

Quando os pais se deparam com uma situação deste tipo, a primeira questão que deverão fazer – independentemente de o filho ser vítima ou agressor – será falar com eles e dizer-lhes que eles, enquanto pais, estarão sempre com os seus filhos para os apoiar e ajudar ultrapassar as situações mais difíceis.
Outro procedimento que deverão ter será abordar a Escola do(s) seu(s) filho(s) para alertar para a existência deste fenómeno na instituição e elaborar um plano de intervenção estratégico para ultrapassar e resolver este episódio. Escola, pais, vitimas e agressores deverão trabalhar todos em conjunto.